Publicado em: 25/09/2019 16:07:35
Três dias de intensas discussões sobre como os mecanismos democráticos
Três dias de intensas discussões sobre como os mecanismos democráticos podem melhorar o acesso aos direitos e, por outro lado, questionar os desafios do mundo contemporâneo para o Poder Judiciário. Essa é a tônica do III Congresso Internacional de Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça, realizado pelo programa de Mestrado em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça (DHJUS), curso objeto do convênio entre a Escola da Magistratura do Estado de Rondônia (Emeron) e a Universidade Federal de Rondônia (Unir).
Programação começou ainda pela manhã do dia 18 com um simpósio em que foram apresentadas as produções acadêmicas dos discentes das três turmas do mestrado. Já no período da tarde, foram iniciados três dos seis minicursos ofertados, além de uma oficina. Em seguida, “O custo da justiça: eficiência e garantias” foi tema de um debate realizado na sede do Ministério Público do Trabalho e que contou com a presença dos juízes Guilherme Ribeiro Baldan e Ilisir Bueno, do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), além de representante da Ordem dos Advogados do Brasil e do MPT e da professora doutora Maria Tereza Sadek, da Universidade de São Paulo (USP). Encerrando as atividades da tarde, uma roda de conversa organizada pelo Centro Acadêmico de Direito/UNIR abordou “A Amazônia vista de dentro”.
À noite, as atividades foram continuadas com a cerimônia de abertura oficial e uma conferência. Os congressistas acompanharam a apresentação da orquestra e coral Ensamble Moxos, da cidade de San Ignacio de Moxos, capital do departamento de El Beni, na Bolívia, que resgata a música tradicional beniana com uma mistura de instrumentos nativos e eruditos.
Formaram a mesa de abertura o diretor da Emeron, desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia; a procuradora chefe do MPT da 14ª região, Camilla Holanda Mendes da Rocha; a professora doutora Marcele Regina Nogueira Pereira, pró-reitora de Cultura e Extensão, representando a reitoria da Unir, e o vice-coordenador do DHJUS, professor doutor Márcio Secco.
Primeiro a discursar, Márcio Secco destacou que, ao promover a terceira edição do congresso, o mestrado mostra sua importância para o estado de Rondônia e agora também para a América Latina, fazendo referência à participação de uma comitiva de acadêmicos bolivianos no evento. “O DHJUS é uma iniciativa pioneira em Rondônia e que talvez encontre poucas semelhantes no Brasil. Nós temos uma parceria com o Tribunal de Justiça e nesta parceria nós conseguimos trabalhar juntando as capacidades e habilidades que temos em fazer pesquisa, da universidade federal, com o conjunto de saberes, da prática e do conhecimento dos problemas que o judiciário vem enfrentando, que vem dos magistrados e servidores participantes do programa. Essa junção de saberes tem provocado uma porção de pesquisas que têm colaborado bastante para a melhoria do Poder Judiciário e da sociedade rondoniense”, frisou.
Marcele Nogueira pontuou a qualidade do DHJUS enquanto programa de pós-graduação stricto sensu e atribuiu esse feito à riqueza e à diversidade cultural possibilitada pelo convênio com o Tribunal de Justiça. Já a procuradora Camilla Holanda ressaltou a relevância do congresso para que se discuta democracia e direitos humanos, tanto no Brasil quanto na América Latina. Encerrando a mesa de honra, o diretor da Emeron deu boas-vindas aos presentes e destacou que o “evento só é grande porque amigos da Bolívia, amigos do sul vieram para a Amazônia para tornar esse evento factível”.
Iniciando a conferência, a ex-ministra de justiça da Bolívia Maria Elena Belido apresentou o conceito de bloco de constitucionalidade, em que a constituição não é a única norma do ordenamento jurídico e os tratados internacionais de direitos humanos passam a ser considerados também para efeitos de direitos. Outro conceito apresentado por Maria Elena foi o de pluralismo jurídico de tipo igualitário, onde a lei não é a única fonte de direito e se utiliza de um sistema de fontes de direitos em contraponto à legislação como fonte única. Ela afirma que estes dois conceitos formam um sistema harmônico e apresentou o exemplo da Bolívia enquanto Estado plurinacional, onde os direitos das populações nativas, indígenas e camponesas se baseiam não apenas nas legislações, mas no reconhecimento das distintas nacionalidades e identidades de seus povos, garantindo os direitos individuais e coletivos e respeitando a historicidade e os costumes dessas populações.
Elena também falou sobre a necessidade, na América Latina, da mudança de paradigma monocultural para um constitucionalismo plurinacional, intercultural e descolonizado, que respeite as diferentes identidades que formam o povo latino. Ela afirmou que os tribunais deveriam ser formados por pessoas de diferentes identidades e origens, que pudessem trazer olhares diferenciados a respeito de questões como os direitos da terra e dos povos indígenas. “Toda a diversidade cultural deve fazer parte do modelo de estado”, afirmou.
Em seguida, o professor José Luiz Quadros de Magalhães, da Universidade Federal de Minas Gerais, discorreu sobre o novo constitucionalismo democrático que se busca estabelecer na América do Sul, a partir da experiência da Bolívia e do Equador em formular constituições a partir dos interesses do povo.
O professor pontuou que o novo constitucionalismo representa um potencial de ruptura com uma teoria de direito construída na modernidade hegemônica europeia e que o momento atual é de uma crise no modelo monocultural. Ele exemplifica que no Brasil há mais de 2 milhões de quilombolas, se falam mais de 400 idiomas e existem mais de 270 etnias indígenas, o que confirma a pluralidade existente na prática mas que não é reconhecida na lei.
Para o professor, o novo constitucionalismo se contrapõe ao estado moderno que se fundamentou na perspectiva uniformizadora de comportamento da humanidade (único idioma, direito, religião) para viabilizar um poder de estado centralizado. Ele também afirmou que essa uniformização se tornou justificativa para a violência ao propor uma estrutura de pensar binária e subalterna (nós X eles, civilizados X selvagens). Como exemplo, citou os genocídios ocorridos na América Latina, justificados pela necessidade de manter o controle sobre os “selvagens”. “No lugar de uma lógica de subalternização do outro, surge uma lógica de complementaridade. O outro é uma oportunidade única de aprendizado. Nós só aprendemos com o diferente. Em vez de matar o outro, civilizar o outro, é preciso aprender com o outro”.
Encerrando a noite, a doutora Maria Tereza Sadek apresentou o tema “Democracia e justiça: desafios”. Maria Tereza trouxe o conceito de democracia criado na Grécia Antiga, onde se substituía o governo de poucos pelo de muitos. Entretanto, pontua, o “muitos” na verdade representava uma minoria da população e, de certa forma, hegemônica. Nesse contexto, mulheres, escravos, estrangeiros e outros povos eram excluídos das decisões. Apesar dos avanços, esse cenário de exclusão se repete até hoje.
Ela pontua que o Brasil combina uma constituição detalhista e o judiciário como poder, atuando como controlador da constituição. Nesse contexto de democracia, o aumento populacional urbano se torna um desafio muito particular para o país, pois ao ter uma constituição muito detalhista, ela sofre muitas emendas para atender a todas as demandas que não foram previstas quando de sua criação. Maria Teresa encerrou afirmando que, apesar dos desafios, não há democracia perfeita e sim em processo permanente de aperfeiçoamento.
Fonte: Ascom/Emeron